"À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo"

Tag: preconceito

Deus fez o Rock and Roll… e o Samba, o Choro, o Funk

Compartilhe:

Eu sou rockista de origem. Cresci ouvindo rock progressivo por parte de pai e, até hoje, talvez seja meu estilo de música preferido, junto ao blues. Até por conta disso eu me interessei por instrumentos musicais e comecei a tocar violão e, posteriormente, guitarra.

E não faz muito tempo eu fazia parte do seleto grupo (ironia inclusa) de músicos roqueiros adoradores do diabo que fazia pouco caso de outros estilos musicais, sobretudo os mais populares, por motivos de imbecilidade mesmo. Muito bem.

Outro dia tava ouvindo um som da Ludmila que tava tocando numa rádio e me peguei pensando justamente nisso: como o preconceito musical é uma construção que não vem, essencialmente, de lugar nenhum que faz sentido. Digo, é claro que uma pessoa sempre vai gostar mais de uma coisa e menos de outra, mas a correlação quase inata que a gente faz na cabeça é “se eu gosto é bom, se eu não gosto é ruim”.

E é justamente por isso que eu mencionei o lance de ser roqueiro no começo. O rock é conhecido pela paixão e devoção que seus apreciadores têm com o estilo, suas bandas; é um estilo de vida e, geralmente, termos como “irmandade” e “família” são utilizados pra se referir a este grupo – e eu acho isso foda. Mas, infelizmente, ficando mais velho, amadurecendo e prestando mais atenção em algumas coisas, comecei a notar em como há um componente que aproxima o rock de uma seita. Explico.

Já perceberam que apreciadores de rock (de qualquer vertente) costumam trabalhar naquele conceito da qualidade? “Tal música não tem harmonia”, “Tal coisa não é música, é barulho”, “Tal banda é simples demais” etc. É como se o rock fosse um gênero superior e outros fossem meras tentativas fazer barulho.

E isso é foda porque, com o tempo, começa a esvaziar a importância que o gênero sempre teve pra música, seja como protesto, seja como expressão artística, além de gerar bode sobre quem ouve esse tipo de som. Não é incomum associar músicos de rock a setores mais conservadores, reacionários e retrógrados da sociedade (até porque, em geral, é isso que é mesmo).

Na minha modestíssima opinião, o rock tem papel fundamental na demonização de gêneros tipo funk (aliás, adoro o famoso “mas isso que tem aqui nem é funk original, o funk mesmo é…“), pagode, samba, sertanejo entre outros (independentemente de gosto – não é o ponto aqui). Tal como o doisladismo político, parte integrante do jornalismo medíocre contemporâneo, o rock sempre foi posto como “a antítese de algo tido como de baixa qualidade intelectual e técnica” – e a gente, sem nem perceber, engole.

Mais do que frequentemente, o primeiro ponto de crítica ao funk é em relação às letras pornográficas e, em geral, preconceituosas e machistas. Mas nunca ouvi ninguém revoltado com, por exemplo, Mötley Crue:

Eu sou um bom, bom garoto
Eu só preciso de um brinquedo novo
Eu vou te dizer, garota
Dance pra mim, eu manterei você super ocupada
Apenas me conte uma história
Você sabe de qual eu estou falando

Mötley crue – girls, girls, girls

Por que? Porque não é óbvio, tipo “senta, senta, senta”? Por que é em outro idioma? Porque, se for por isso, eu posso dar um exemplo mais próximo ainda:

“As mulheres e as galinhas
São dois bichos interesseiros
A galinha pelo milho
E a mulher pelo dinheiro”

Abre essas pernas pra mim baby
Tô cansado de esperar
Você dá pra todo mundo
Só pra mim que você não qué dá

Velhas virgens – abre essas pernas

E aí? E tem mais… Raimundos, Camisa de Vênus, Ultraje..

O que eu quero dizer com esse texto que parece não ter pé nem cabeça é que, infelizmente, o rock que eu tanto amo até hoje, como todo e qualquer gênero musical, tem coisas ruins e boas, porém, parece-me que o rock sempre esteve meio que liberado pra ser machista, escroto, reacionário e politicamente incorreto. E eu não sei se a gente fala tanto disso quanto poderia/deveria.

Hoje, depois de muito tempo, ouço essencialmente qualquer coisa e ainda há coisas que acho ruins, toscas e pras quais sempre solto o meu jargão “isso é uma grande bosta”. Porém, passei a não mais olhar pro rock, metal e zas como uma espécie de oásis de qualidade e elevação espiritual em meio aos outros sons.

A música cumpre diversos papéis na sociedade e é, sobretudo, expressão cultural de comunidades, regiões, povos – não tem a menor condição de ficarmos eternamente criando pedestais qualitativos por aí.

Referência do título deste post aqui.

0
0

Que sociedade?

Compartilhe:

Hoje, peço licença aos amigos leitores para escrever e compartilhar algo que sai um pouco do comum deste site. Obrigado. 🙂


 

We’re definitely not living in a post-racial society – and I can imagine that there are a lot of people out there wondering how much of a society we’re living at all

Jon Stewart

 

Vocês devem ter acompanhado a cobertura de duas mortes ocorridas nos Estados Unidos que geraram uma série de protestos e reações populares: os casos “Michael Brown”, ocorrido em Ferguson (Missouri), e “Eric Garner”, ocorrido em Staten Island (Nova York). Ambos tem em comum o fato que foram dois negros mortos por policiais brancos, além dos policiais terem sido, a princípio, inocentados de terem cometido qualquer ilegalidade ou exagero.

No primeiro caso, a “análise” do que houve é um pouco mais trabalhosa, pois é baseada nos depoimentos do policial, de testemunhas e nos resultados da perícia e afins; já no segundo, há imagens de uma câmera mostrando o que ocorreu.

Há duas grandes discussões levantadas aqui que estão gerando os protestos por todo o país, independentemente dos homens mortos serem culpados de qualquer crime ou não (roubo de cigarros/venda ilegal de cigarros, resumida e respectivamente): a reação exagerada e incompatível dos policiais e, principalmente, a questão racial. É um debate complexo, delicado e amplo e que não se difere muito do que acontece aqui no nosso país. Quantas vezes vemos casos similares aqui? Quantas vezes você – sim, você – não atravessou a rua quando notou uma pessoa negra vindo na mesma calçada que você? Quantas vezes, numa batida policial, o seu amigo negro foi o único a ser ameaçado de ir preso pelo homem responsável por nossa segurança (isso aconteceu comigo e não é historinha pra preencher meu texto, só pra constar)?

É claro que aqui estou me restringindo apenas a essa dicotomia branco/negro, mas podemos expandir essa discussão pensando, também, na camada mais pobre da nossa sociedade. É impressionante como em pleno ano 2014, ainda olhamos de maneira diferente para um moleque que vista roupas “ruins”; aliás, a própria definição de roupa boa/roupa ruim é um tanto quanto preconceituosa, prepotente e, porque não dizer, ridícula. Ou vai dizer que você nunca reparou em como seguranças de shoppings e lojas ficam quando pessoas que eles julgam potenciais marginais entram em seus estabelecimentos, ou como diariamente essas mesmas pessoas são acusadas de coisas que não cometeram?

É mais fácil acusar alguém que não pode se defender, não é? Lembram do filho do Eike Batista, que atropelou um ciclista e tal? Lembro que à época me chamou a atenção o fato de que, quem defendia o filho do empresário brasileiro, dizer que “no Brasil é errado se dar bem na vida”. É possível um debate riquíssimo só sobre essa afirmação mas, ressalto: não estou acusando nem inocentando ninguém, porém, é interessante notar o fluxo de argumentação no caso. O culpado de ser atropelado… foi o atropelado, mesmo ninguém tendo visto nada! Ninguém viu nada, mas tinham o seu culpado. É bem aquela coisa de que a culpada pelo estupro é a mulher, afinal, ela usa saia e decote e provoca isso mesmo (pausa pra vomitar).

Enfim, estou ficando prolixo… vamos às conclusões.

O racismo ainda acontece (alguém falou goleiro Aranha?) o tempo todo. Aqui, nos EUA, na Alemanha, na Lapônia… nossa sociedade ainda é preconceituosa e racista. Menos, talvez, que anos atrás, mas ainda é – e muito. Nós não entendemos a nossa sociedade, precisamos generalizar tudo e não entendemos que, às vezes, o criminoso é branco e mora nos Jardins e o cara correto é negro em mora na favela. Ou, se entendemos, selecionamos os argumentos mais convenientes na mesa do bar – quando isso é discutido na mesa do bar…

E por que resolvi escrever esse texto? Porque outro dia vi um vídeo do Jon Stewart (apresentador do programa americano Daily Show) comentando exatamente esta questão, após o policial do caso Eric Garner ter sido inocentado. Acho que ele conseguiu expor exatamente o que eu penso em relação a estas questões (neste caso, sobretudo, o lance policial branco / agredido negro) e gostaria de pedir a vocês que separem alguns minutinhos para ver o vídeo abaixo. Vale a pena.

Em tempo: agradeço imensamente à Bruna Picoli pela ajuda fundamental no desenvolvimento das idéias desse texto. Obrigado demais, Bru! 🙂

Abraços

0
0

© 2024 Alê Flávio

Theme by Anders NorenUp ↑

WP Twitter Auto Publish Powered By : XYZScripts.com