"À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo"

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Não tem nada glamuroso em viajar a trabalho

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Eu cumpri a minha promessa do Twitter, mas não publiquei esse texto 1 semana atrás quando terminei ele. Esse é um dos meus grandes problemas quando penso sobre escrever: eu fico revisando, revisando, revisando e sempre adio a postagem. É a constante busca pela perfeição que não existe. É como nessa cena do De Volta Pro Futuro (possivelmente meu filme favorito de todos os tempos) na qual o pai do Marty diz “Ah, não não não, eu nunca deixo ninguém ler minhas histórias. E se eles não gostarem? E se eles disserem que não sou bom?

Mas tá aqui. Divirtam-se! Obrigado pela paciência e contem pros seus amigos, parentes, colegas de trabalho…

Se alguém dissesse pra mim que um dia eu estaria num avião indo a trabalho pros Estados Unidos eu teria uma crise de riso daquelas que a gente perde o ar. Mas cá estou eu: 15 anos depois começo esse texto em um avião a caminho de Dallas e termino sentado num quarto de hotel em San Jose.

E não tô escrevendo isso pra me gabar ou só como um pretexto pra dizer olha como eu sou viajandão, mas é que me peguei pensando em toda a mitologia que existe em torno dessa coisa da viagem a trabalho e resolvi escrever sobre (e porque o @crisdias compartilhou pensamentos super parecidos com os meus numa das últimas newsletters do Boa Noite Internet e isso também me deu uma inspirada).

Eu achava chique demais pessoas que viajavam a trabalho e tal. Mais do que ir pra outra cidade pra fazer uma reunião, ou tocar um projeto ou o que seja, todo o glamour e purpurina de sentar num aeroporto, pegar um café de R$40, abrir o note e zás era incrível na minha cabeça.

Quando eu fui efetivado no meu primeiro grande emprego, depois de um tempo, eu passei a ser essa pessoa e ia direto pro Rio de Janeiro. No começo era um negócio maluco, porque pensa: eu vim de uma família que ninguém nunca tinha andado de avião e o primeiro a fazer isso sou eu, um moleque de uns 20 e poucos anos indo a trabalho pro Rio. Porra, foda! E mais: depois começo a trabalhar em empresas multinacionais e passo a viajar internacionalmente! Rapaz, estourei! Venci na vida!

Nas primeiras vezes era animal, eu realmente me sentia muito importante (antes das minhas definições de importância serem atualizadas), mas depois de um tempo começou a ficar maçante e cansativo. Aí você fala isso pras pessoas e parece que você é um arrogante de merda, mas é a realidade, que é bem diferente do mito que essencialmente é glamour, curtição e visitar lugares topzera o tempo todo. Veja, algumas dessas coisas podem acontecer, mas uma viagem a trabalho pressupõe, bem, trabalho. Além de todo o estresse que é o processo de viajar você não tem exatamente passe livre pra fazer qualquer coisa a hora que bem entender, afinal, a empresa tá te “dando” esse presente porque ela espera algo em troca, certo?

É CLARO que é um baita privilégio e uma oportunidade ímpar de se conhecer lugares, culturas e afins teoricamente de graça (e dá pra fazê-lo) mas o que eu estou tentando dizer é que não existe glamour – é estressante e solitário na maioria das vezes. Infelizmente não é possível ficar fazendo rolês pelas cidades e pelas lojas porque o que te sobra é o “pós horário comercial”, que no meu caso ou eu quero comer ou ficar brisando no quarto do hotel (sobretudo quando o fuso tá arrebentando minha cabeça) e, às vezes, um dia do final de semana, que eu sempre quero aproveitar do jeito que eu bem entender.

Eu me sinto muito culpado quando alguém me sugere um passeio e eu não consigo fazer, ou pede alguma coisa e eu não compro ou ainda quando eu não consigo espremer um tempo pra comprar lembranças pras pessoas que eu gosto, mesmo sabendo que não vão me cobrar ou odiar por isso. Em um certo nível, isso é minha maneira de 1) mostrar que eu gosto e me importo com a pessoa 2) que de alguma maneira quero dividir um pouco dessa experiência com os outros que não podem estar aqui, e quando não dá certo lá venho eu me martirizando.

Não me leve a mal: eu agradeço demais por trabalhar em lugares que me proporcionam esse tipo de experiência, mas de uns tempos pra cá passei a ser menos romântico sobre viajar a trabalho. Talvez eu esteja ficando (mais) ranzinza. Talvez não, provavelmente.

De qualquer maneira, se você conhecer alguém que viaje sempre assim, não seja muito duro com essa pessoa quando ela der aquela reclamada sobre “ter que viajar de novo”, quando ela não seguir suas dicas ou ainda se não conseguir trazer alguma coisa que você pediu. 🙂

Abraços!

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O cansaço tingido de espanto

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Já perdi a conta de quantas vezes postei esse trecho do Camus em todas as versões de blog que eu tive, mas ele nunca deixa de ser relevante ou atual.

Aos poucos vamos deixando de viver para sobreviver; sobreviver num caos diário buscando sentido para as mecanidades da vida e aliviar a fadiga mental que cresce.

E não cabe a ninguém mais, além de nós mesmos, escalar pra fora desse caos.


Ocorre que os cenários se desmoronam. Levantar-se, bonde, quatro horas de escritório ou fábrica, refeição, bonde, quatro horas de trabalho, refeição, sono, e segunda, terça, quarta, quinta, sexta e sábado no mesmo ritmo, essa estrada se sucede facilmente a maior parte do tempo. Um dia apenas o “porquê” desponta e tudo começa com esse cansaço tingido de espanto. “Começa”, isso é importante. O cansaço está no final dos atos de uma vida mecânica, mas inaugura ao mesmo tempo o movimento da consciência. Ele a desperta e desafia a continuação. A continuação é o retorno inconsciente à mesma trama ou o despertar definitivo. No extremo do despertar vem, com o tempo, a consequência: suicídio ou restabelecimento. Em si, o cansaço tem alguma coisa de desanimador. Aqui, eu tenho de concluir que ele é bom. Pois tudo começa com a consciência e nada sem ela tem valor. Essas observações não têm nada de original. Mas são evidentes: por ora isso é suficiente para a oportunidade de um reconhecimento sumário das origens do absurdo. A simples “preocupação” está na origem de tudo.

“O mito de Sísifo”, Albert Camus

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