"À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo"

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O precipício da ignorância

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Dando uma vasculhada aqui no WordPress, achei um monte de texto começado (eu não sempre falo que nunca termino as coisas?) e, incrivelmente, esse aqui que tava prontinho e nunca foi postado.

O texto foi escrito, segundo o rascunho aqui, em Dezembro de 2017 e, infelizmente, segue atual. A gente não consegue melhorar e mal sabia eu que a gente ainda ia piorar.

Outro dia, voltando do almoço, ouvi uma senhora berrando no telefone com um atendente (pelos berros, da Vivo). E pra vocês terem uma noção do que quero dizer com “berrando”, eu estava no cruzamento da JK com a Faria Lima, um dos lugares mais barulhentos de São Paulo, e podia ouvir a mulher claramente – e ela nem estava tão perto de mim assim. Eu comecei a prestar atenção de fato quando a moça, que não tinha mais do que 50 anos, berrou: “Quem é o imbecil que está falando agora? Que merda você vai me propor agora?”.

Yomotsu Hirasaka, a entrada pro mundo dos mortos. Sim, eu sou nerd. Fonte e imagem: http://pt-br.saintseiya.wikia.com/wiki/Yomotsu_Hirasaka
Yomotsu Hirasaka, a entrada pro mundo dos mortos. Sim, eu sou nerd. Fonte e imagem: http://pt-br.saintseiya.wikia.com/wiki/Yomotsu_Hirasaka

Pesado, né? Digo, quem nunca passou raiva tentando resolver um problema no telemarketing? É normal. Sempre que a gente liga pra uma dessas centrais de atendimento é porque temos um problema pra resolver e, via de regra, ninguém gosta de resolver problema. Além disso, quando a gente tá irritado a gente sempre procura alguém pra botar a culpa – e nesse caso é sempre do atendente. Mas o que me fez escrever esse texto não foi necessariamente discutir quem está certo ou errado numa dessas situações, mas sim, o que está acontecendo com a nossa empatia, com as relações que deveríamos estar construindo?

O que, de fato, leva alguém ficar tão ensandecido a ponto de berrar para uma pessoa desconhecida que ela é imbecil, incompetente ou afins embora, mal ou bem, esteja ali pra tentar nos ajudar a resolver algo? Quando foi que paramos de nos colocar no lugar do outro? É claro que em todos os ramos existem pessoas ruins em seus trabalhos, mas isso ainda não nos dá o menor direito de tratá-las como um serviçal que só está ali pra cumprir nossos desejos. Estamos caminhando, moribundos, ao precipício da ignorância e pequenez. Só olhamos pras nossas pequenas telas e nossos enormes egos; o outro é o outro e que se foda. Se eu tenho um problema alguém tem que resolver – meu dever é esperar a solução.

Cena de “Invasão Zumbi”, filme sul-coreano de 2016. Veja esse filme (tem no Netflix). Sério.

E o pior é que isso vem se espalhando que nem um vírus. Principalmente aqui em São Paulo, essa cidade doente, o pavio das pessoas está cada vez menor, no trabalho, na rua, nas lojas, em todo lugar; estamos vivendo em uma época em que, às vezes, estamos andando calmamente por uma calçada, quase somos atropelados por um carro saindo acelerado de uma garagem (porque, além de tudo, todo mundo tem pressa, não se sabe porquê, mas tem) e ainda somos xingados como se estivéssemos errados.

A gente passa raiva sim (eu passo raiva pra caralho), mas, a partir do momento em que começo a derramar essa baba de ódio sobre os outros, o problema vira uma epidemia¹. Essa falta de empatia é como uma doença não tratada: se você ignora o diagnóstico e não aplica o tratamento, ela cresce e toma conta de você; quando você se dá conta, já se perdeu em meio à escuridão.

Pratique a gentileza. Ajude a sociedade se curar.

É melhor pra você, pra mim e pra todos.

1 Olha eu sendo profético…

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O equilíbrio é uma ilusão

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Semana passada, eu e a Bru estávamos brisando em um de nossos papos pós-trampo no quintal de casa sobre terapia e o dia-a-dia tentando ser pessoas mais equilibradas nesse mundo maluco que a gente vive. E eu meio que tive uma epifania.

Capa do disco "A Dramatic Turn of Events", Dream Theater

Um dos pontos centrais da minha (e, de verdade, de qualquer uma acho eu) é a busca pelo equilíbrio. Se você faz ou fez terapia eu aposto que, em algum momento, seu terapeuta te disse que “é necessário encontrar o equilíbrio para…” [complete mentalmente com seu caso específico].

Pois bem. Faz sentido e tal mas eu acho que cheguei à conclusão de que isso não existe; que o equilíbrio, da maneira que em geral temos em mente, é meio que uma ilusão.

Explico.

De acordo com o que nos é proposto, ser uma pessoa equilibrada é, basicamente, equilibrar suas ações e sensações; é viver menos nos extremos mentais da explosão e da languidez, ou seja, viver numa mediana de certa forma insossa e inofensiva, correto? E é aqui que entra minha epifania e incômodo com essa definição.

Image result for about to blowEu sou alguém que tenho como um dos principais pontos de atenção e melhora o tal do equilíbrio; tou sempre trabalhando no 8 ou no 80 da vida o que não é lá muito saudável. Desde que, portanto, comecei a entender que para ser uma pessoa melhor e mais em paz era esse proposto balanço, comecei minha cruzada em busca dele.

O problema é que eu (e talvez qualquer ser-humano vivo) somos seres que por definição não fomos criados para vivermos numa meiuca de sensações; nossa existência e nossos desejos habitam mais proximamente dos “extremos emocionais”. Não é quando estamos em êxtase, ou com muito medo, ou muito inquietos etc que normalmente nos propormos a fazer algo? E, basicamente por essa razão, passei a sofrer até um pouco mais justamente por não conseguir achar este maldito equilíbrio.

Tendo dito isso, a minha epifania besta foi a de que na real o que a gente precisa aprender é o oposto: reconhecer nossas oscilações. Uma metáfora que me ocorreu é a da escotilha de Lost (se você não assistiu o seriado, embora seja um absurdo, não se preocupe que eu explico; você também pode ver esse vídeo aqui pra ter um contexto geral ou ler este artigo com uma explicação mais detalhada).

Uma das propriedades encontradas na ilha de Lost era um bolsão de energia eletromagnética… tipo, muita energia. Os cientistas achavam que, se soubessem controlar e manipular essa parada junto com a matéria exótica que também tinha na ilha eles poderiam fazer coisas doidas com o tempo.

Obviamente tudo deu errado. Rolou um acidente e essa energia passou a precisar ser monitorada e controlada para que, essencialmente, não explodisse a parada toda. De 108 em 108 minutos, um código precisava ser digitado pra que a energia acumulada fosse liberada e tudo continuar bem no planeta (sim, no planeta).

Computador da escotilha Cisne, LOST

Finalmente, pra mim, é mais ou menos assim que eu entendo que deva (ou possa) ser nossa relação com as emoções. Basicamente precisamos ser vigilantes o tempo todo para que ela nem exploda nem se anule e pra que, quando sentirmos que estamos num nível perigoso, que possamos digitar uns códigos na nossa cabecinha e voltar a oscilar próximos à meiuca, mas nunca vivendo de maneira linear sobre ela.

E aí, faz sentido pra você?

Abraços!

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Nossa própria distopia

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Sentei pra escrever um texto e vi meu último, que foi mais um apelo desesperado do que um artigo. De qualquer maneira, não deu e vivemos numa distopia digna de um filme do Aronofsky. Mas isso é tópico pra outro momento.

O que eu quero falar é sobre a nossa própria distopia; aquela que a gente cria pra gente mesmo diariamente e nem se dá conta.

Eu faço terapia há algum tempo já e uma das minhas queixas recorrentes é sobre minha dificuldade de me engajar em coisas além do meu trabalho normal diário; coisas que sempre me alimentaram mental e espiritualmente e me ajudaram a diminuir um pouco a pressão do dia-a-dia.

E a nossa muleta preferida é o tempo. “Não tenho tempo”, “não tive tempo”, “quando vou ter tempo pra isso”, tempo, tempo, tempo… E é justificável, vai. Vivemos em uma era em que somos sufocados diariamente por um excesso de informação e obrigações as quais achamos que devemos absorver e fazer algo com tudo. Só que, pra mim, esse é só um ponto (e não tão justificável).

Na minha opinião, o pior que criamos é a tal da distopia que comentei um pouco acima. Voltando ao meu exemplo pessoal: eu sempre escrevi razoavelmente bastante e, de uns tempos pra cá, praticamente parei. E por que parei? Bem, tempo pode ser um motivos, mas, a definição de expectativas num nível absurdamente alto e, em certa medida, inalcançável é o pior. Essa é a distopia, um mundo futuro criado à partir de um medo irracional de falhar.

Antes mesmo de nos propormos a fazer qualquer coisa, começamos a nos questionar se somos capazes, se temos o que é necessário, se vamos conseguir, se é relevante, se os outros vão gostar etc. Mais do que isso: é já ter definido na sua cabeça que não tem a menor condição (e razão) de fazer o que você quer e, então, pra que se dar ao trabalho de começar. Estamos sempre esperando demais de nós mesmos.

Por isso que expressões como “se você quer fazer algo é só começar” têm sua validade, mas não cobrem o cenário macro. Não é só preguiça. Não é só procrastinação. É auto-inveja, auto-estima baixa, medo puro, traumas, enfim, um conjunto de fatores que se nós mesmos não conseguirmos elencar e ter ciência deles, não sairemos nunca do lugar.

Eu ainda não achei uma solução pra mim em quase 5 anos de terapia e uns 2 de consciência desses movimentos. Eu tenho dificuldade de voltar a escrever frequentemente (notem o tempo entre um texto e outro), estou sempre pronto a providenciar desculpas pra não ler meus livros e tenho frases prontas pra não sentar e passar horas tocando guitarra

Esse texto é mais uma tentativa de desmontar a distopia por dentro, uma tentativa de contar pra outros que isso tudo existe e que é preciso admitir pra seguir.

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