"À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo"

Categoria: Opinião (Page 4 of 4)

Terceirizando

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O resultado da tal pesquisa sobre estupro – ou intenção de – não me surpreendeu. E não me surpreendeu por uma coisa muito mais simples que achar que o mundo é machista: aplicamos, cada vez com mais intensidade, o mecanismo da terceirização da culpa.

Dizer que a culpa de um estupro é o fato da mulher estar usando uma roupa sensual e não do cidadão não conseguir manter suas vontades dentro das calças é muito mais fácil do que admitir o simples fato de que a culpa é dele, de que ele quis ir pra cima da mulher e assediá-la fortemente, de que ele não sabe como abordar uma mulher, conquistá-la e levá-la pra cama com méritos próprios.

Desculpem-me, mas nunca vou admitir coisas como “ahh, mas se ela tá mostrando os peitos eu não tenho culpa de não me controlar”, como andei lendo por aí. Tem sim, meu velho, tem sim. Quer dizer, então, que se sua mãe, tia ou irmã aparecerem de biquíni na sua frente você vai pra cima delas? Não vai, né? Então não é um problema de controlar seus instintos… não? E não me venham entrar em argumentações psicológicas aqui, ok?

(Ah, e os rapazinhos que apareceram com ameaças de estupro às moças que manifestavam contra o resultado das pesquisas já são outra questão, que podemos abordar outro dia. Aqui não é terceirização de nada não – é violência pura e simples misturada com necessidade de afirmação… enfim, segue.)

E eu falo da terceirização da culpa porque isso tem acontecido cada vez com mais freqüência em todos os setores da sociedade brasileira. Vejam, é fácil dizer que o problema da corrupção no Brasil é dos políticos e não sua, que compra DVD do Office na Santa Ifigênia; culpar o São Paulo pela desclassificação do Corinthians e não o próprio Corinthians, que perdeu 98765 jogos seguidos; ou ainda dizer que a culpa da obesidade infantil é da Coca-Cola e da Hersheys e não de pais que não ensinam seus filhos a comer direito.

Somos cada vez mais covardes. Não assumimos nada, afinal, a culpa é nossa e colocamos em quem quisermos, não é? E se não assumimos nossa parcela de culpa nas coisas, nada muda, amigos.

Não sou sociólogo, filósofo ou o que o valha, mas observo a vida da minha maneira e tenho minhas opiniões. Espero que faça sentido pra alguém.

Abs.

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Do debate à voadora.

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Os blogs, redes sociais etc trouxeram uma possibilidade legal de “criar conversações”, compartilhar conteúdo e opinião. Você conecta, publica um texto ou comenta uma notícia e compartilha sua opinião com o mundo. Bacana, né? É, mais ou menos.

A questão é que se criou uma coisa muito chata: uma galera que, em geral, não concorda com você, lê o seu texto em busca de falhas, erros, para te atacar e, de certa forma, empurrar a opinião própria goela abaixo, coerentemente ou não. Reforço: cada vez mais não se procura o debate, procura-se a agressão verbal; procura-se desconstruir uma ideia apenas como um passatempo, normalmente sem lógica e, certamente, sem ganho algum para a discussão em si.

Por quê? Porque, de repente, todos viraram especialistas de tudo. Não importa se você passou 5 anos lendo Ulises, do Joyce, pra fazer uma análise crítica do livro – um zé mané vai ler o teu texto, ir à Wikipedia e vomitar algo só pra te sacanear. E sim, é sacanear mesmo. Novamente: não há o debate, há apenas desconstrução, mal e porcamente feita. E gente nervosa – tipo este que vos escreve – terá gastrites por noites e noites bolando uma resposta.

É provável que sempre tenha sido assim; é provável que quando Hesíodo estava lá, cantando a Teogonia, algum cidadão levantou a voz e interpelou o poeta só pelo prazer de provocar o simples bate-boca, ou veio com o famoso irrefutável argumento de “você não sabe de nada. Não foi assim”. Entre outras coisas, a internet ajudou a popularizar isso – e cada vez mais você vê gente que parece ganhar a vida pulando de texto em texto procurando pelo em ovo.

O fato é que é dever do escritor escrever e preparar-se para o debate… ou para a voadora.

Abraços

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