Alê Flávio

"À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo"

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Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?*

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Hoje o dia começou bem.

Levantei pouco depois das 8 (já atrasado pra levar a Babi na escolinha, é verdade), mas o humor tava bom. Bru, Babi e eu fizemos nossa rotina, nossa dança matinal aqui em casa; deixei a pequena na escola, passei na padoca, tomei café com a Bru e sentei pra trabalhar. Ah, cortei o cabelo também.

A vida acontecia como sempre acontece, sem menores sustos ou traumas. Até que de repente, em algum momento da tarde, desmontei. Sabe quando parece que você deixa de saber quem você é, ou melhor, quando a gente se fragmenta e fica um pouco de nós em cada lugar no espaço e no tempo? Acho que foi isso.

E num aconteceu nada de necessariamente ruim. Não mesmo. Nem no trabalho, nem aqui em casa, nem na vida de nenhuma pessoa próxima (eu acho, né). Simplesmente foi como se todo o escuro do mundo descesse sobre a minha alma e eu simplesmente entrasse numa espécie de stand by existencial.

Daí estou aqui trancado no escritório, 23:01 de uma quinta-feira, tentando dar alguma espécie de sentido nisso tudo vomitando palavras.

Mas será que precisa ter sentido?

Digo, na terapia, às vezes, eu passo o tempo todo tentando achar razão nas minhas emoções, o que, por si só, já é um tanto contraditório – mas é meio que é isso que a gente faz numa sessão de terapia né? – e esqueço que, às vezes, a gente só precisa sentir o que a gente precisa sentir. Não só na terapia; essencialmente eu cresci dessa maneira: uma pessoa que sempre precisa encontrar um componente racional pra todo e qualquer soluço emocional.

O Alê racional vive em um estado de alerta quase que constante e passa a existência tentando se antecipar às armadilhas que o Alê emocional possa-vir-a-quem-sabe-talvez-tentar-criar, mesmo quando elas não existem. É como se fosse uma doença auto-imune da alma na qual o racional acha que o emocional é um inimigo se preparando pra atacar e, portanto, começa a se defender. No fundo não está se defendendo de ninguém e apenas gastando energia pra, finalmente, sentar num cantinho escuro da minha mente.

Confuso? É, eu também acho. E não é só confuso, é agressivo também, porque incomoda, dá nó na garganta pra um choro que nunca chega e, eventualmente, me empurra pra uma inércia em que eu fico esperando o cérebro entender que deu ruim e, literalmente, reiniciar.

O pior disso tudo é que vai passar (sempre passa), mas como e não sei exatamente o que isso é, quando acontecer de novo – e vai – ficarei novamente refém de mim mesmo.

O ser-humano é todo errado.

Até semana que vem.

*Trecho do poema Tabacaria, de Álvaro de Campos escrito em 15/1/1928. 1ª publicação in Presença, nº 39. Coimbra: Jul. 1933.

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BBB é bom pra quem?

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Como tudo que eu faço nessa vida, claramente eu deixei pra escrever esse primeiro texto da ~volta~ no limite do dia que eu disse que ia escrever: são 23:25 e eu comecei a escrever o texto agora. Mas vamos lá.

Quando eu pensava sobre o que eu queria escrever lembrei que esse é o primeiro Domingo do Big Brother Brasil e acho que é um bom tema pra voltar aqui (além de ser polêmico) por si só.

Eu gosto de quando começa o BBB porque, junto com ele, vem toda aquela tropa de paladinos da Cultura e da Intelectualidade, que sempre trazem um argumento bem embasado (ironia inclusa) de porque assistir o programa é perda de tempo.

Pra quem num sabe eu trabalhei por quase 6 anos lá no Plim Plim e, quando entrei, o programa estava na 5ª edição e eu também partilhava do discurso “porra, que perda de tempo essa merda – ler um livro ninguém quer” (imaginem: jovem e estudante de Letras) e trabalhar na emissora do programa, e diretamente com o programa, parecia que seria um suplício. Acho que foi ali que eu entendi a bobagem que é esse discurso pseudo-intelectualoide-burguês.

O BBB é um programa de entretenimento* feito pra gerar receita pra emissora, visibilidade pras marcas, pras pessoas que estão na casa, assim como é futebol e suas infinitas mesas-redondas, novelas, Topa Tudo por Dinheiro e a Ana Maria Braga. Você não vê ninguém rasgando o cu com a unha na internet porque o amigo passa o a segunda-feira toda vendo o programa do Neto em vez de ler uma coletânea de sonetos do Shakespeare. Veja: assistir BBB é como comer jiló, se você num gosta você não é obrigado.

Desde que o programa veio pra cá tentam criar essa dicotomia BBB x intelectualidade por alguma razão que eu realmente num consigo entender (e, sinceramente, acho que nunca vou conseguir). Inclusive, pensando em retrospecto, aqueles textos horrorosos de eliminação com uma certa aura de superioridade acadêmica (que não existe, tá?) escritos pelo Pedro Bial e, mais tarde, pelo Thiago Leifert (ainda não sei o que vai fazer o Tadeu) são uma tentativa de mostrar que tem muita cultura no Big Brother sim!

O BBB traz à tona uma das piores facetas do ser-humano que é a cagação de regra do que é bom e ruim baseado em nada mais que dedo ao vento e preferência pessoal; é aquela mania que a gente tem de sempre achar que conhece uma banda melhor, um livro mais interessante ou um filme mais espetacular; de que a expressão cultural do interior de uma cidade de Roraima é muito mais autêntica que a de uma cidade grande do sul da Suécia. É natural gostarmos de coisas diferentes, mas o que num é natural é atribuir uma espécie de regra de qualidade baseada nas suas preferência e/ou experiências.

Essa coisa de (novamente) pseudo-intelectuais que acham que fazem parte de um grupo especial que define o que é bom ou ruim pra sociedade tem tudo a ver com o projeto mais do que antigo no mundo em segregar pessoas porque sim em busca de um pretenso poder – mas esse é papo pra outra hora.

Portanto, se você acha que o BBB é um programa merda que num vai agregar nada na sua vida não assiste e vá você ler um livro; aliás, qual foi o último livro que você leu?

Até semana que vem.

*Cabe aqui uma distinção importante: o programa é um entretenimento sim, mas coisas que acontecem no programa (como episódios de racismo, violência contra mulher, transfobia) estão longe disso e devem ser tratados como os crimes que são. Isso não pode, no entanto, remover a condição geral de entretenimento.

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